Fernando Pessoa
Acorda. Vem
Até ao mar.
As ondas têm
Um vago amar.
Há um calmo fim
Ao pensamento
No mar, assim
Cessado o vento.
A hora salga
De calma a dor…
Uma e outra alga
Doem-lhe à flor…
Vem tão comigo
Por tal caminho
Que eu contigo
Me creia sozinho…
Tanto pertenças
Ao meu pensar
Que as duas presenças —
Tua e do mar —
Não sejam mais
Que a calma triste
Sem nexo ou ais
Que em mim existe…
Ah, desejar!
Amar, sofrer!
Eu, tu e o mar…
Como dói ser!
Vem ajudar
Meu pensamento
A dispersar
P’lo mar sem vento.
2-10-1915
In "Poesia 1902-1917"