Pensava que escrevia por timidez, por n�o saber falar, pelas dificuldades de encarar a verdade enquanto ardia, arvorava, arfava. H� muitos que ainda acreditam que come�aram a escrever pela covardia de abrir a boca. Nas cartas de amor, por exemplo, eu me declarava para quem gostava pelo papel, e n�o pela pele, ainda que o caderno seja pele de um figo. O figo, assim como a literatura, � descascado com as unhas, dispensando facas e canivetes. N�o sei descascar laranjas e olhos com as unhas, e sim com os dentes. Com as m�os, sei descascar a boca do figo e o figo da boca, mais nada. Acreditei mesmo que escrever era uma fuga, pedra ignorada, sil�ncio espalhado, um subterf�gio, que n�o estava assumindo uma atitude e buscava me esconder, me retrair, me diminuir. Mas n�o. Escrever � queimar o papel de qualquer forma. Desde o princ�pio, foi a maior coragem, nunca uma desist�ncia, nunca um recuo, e sim avan�o e aceita��o. Deixar de falar de si para falar como se fosse o outro. Deixar a solid�o da voz para fazer letra acompanhada, emendada, uma dependendo da pr�xima garfada para alongar a respira��o. Baixa-se o rosto para levantar o verbo. � necess�rio mais coragem para escrever do que falar, porque a escrita n�o depende s� de ti. Nasce no momento em que ser� lida.

.Fabr�cio Carpinejar.